Expectativa e projeção: Como lidar com um sentimento inominável?

11 / 08 / 2023
Saúde e Bem-estar, Sexualidade
Por Maria Fernanda de Amorim Fortuna

É comum eu receber reclamações de pessoas que não se sentem vistas por seus esforços dentro do relacionamento. Não falo somente sobre deixar as crianças na escola ou organizar a rotina alimentar da família. É algo mais profundo. 

Existem coisas que precisam ser feitas e coisas que desejamos que sejam feitas. A coluna de hoje vai tratar sobre a segunda possibilidade. Mais do que realizar as tarefas do dia a dia, muitas vezes colocamos na nossa “to do list” elementos extras. 

Quando crescemos, além de desenvolvermos nosso perfil relacional – a construção de quem achamos atraentes, do que gostamos, quais coisas, características e atitudes nos encantam – também fixamos o que achamos adequado e ideal. Esse é um processo natural que acontece mesmo que não percebamos. 

Ao nos tornarmos adultas, aquela construção imaginária lá do passado começa a se delinear na realidade. Algumas coisas são tangíveis e efetivamente realizadas – o que nos traz felicidade, alegria e a sensação de vitória. Outras coisas percebemos que são incompatíveis com a atualidade – quando criança eu sonhava em ser princesa para usar coroas e vestidos bufantes, por exemplo. 

O problema acontece quando não identificamos algum desses projetos ou elementos e nos frustramos – muitas vezes sem identificar o porquê – pela não realização deles. Ou pior: nos chateamos pela pessoa que está ao nosso lado não realizar o papel que tínhamos delineado mentalmente para nossa parceria. 

Ninguém gosta de ser contrariado. O caso aqui não é a oposição de alguém. É estarmos frustradas com a não ação do outro. É sentirmos que não somos valorizadas pois nossa parceria não compartilha da mesma visão que a gente. E o pior: se entristecer sobre tudo isso sem ao menos compreender o que está havendo. 

O que eu sugiro: ao identificar um elemento de atrito, quando surge aquela emoção de “não gostei!”, respire fundo e se pergunte com toda a sinceridade do mundo a razão pela qual você não gostou. As respostas podem ser inúmeras. Sentir-se diminuída, desrespeitada, contrariada, combatida, e por aí vai. 

A hora é de ação interior, não exterior. Saber a motivação da sua emoção é crucial. Obviamente, há momentos em que efetivamente fomos diminuídas ou desrespeitadas. Mais do que reagir – no modo reativo acabamos entrando num “ataque para defesa” – enxergar melhor o cenário pode ser de extrema ajuda. 

Caso se identifique que a ação que ocasionou nosso desagrado não tenha sido intencional, ou seja, para o “mal”, já estamos no lucro por não ter reagido de forma impensada. Mas podemos ir além, buscando mais a fundo a motivação da nossa emoção negativa. 

Dentro dos relacionamentos projetamos idealizações que foram construídas no nosso passado de meninas. Hoje, como mulheres, devemos entender quais das nossas necessidades e demandas são efetivamente reais e alinhadas com quem somos atualmente. 

Conheço uma mulher que brigou com o marido por não ter recebido flores no trabalho no dia de aniversário de casamento. O exemplo não é sobre descaso matrimonial. O sujeito é de fato romântico, a levou pra jantar e inclusive lhe havia comprado flores. Mas não as enviou pro trabalho dela. 

A projeção dela era antiga, quando ainda menina viu uma professora recebendo flores enquanto dava aula. Aquilo a marcou positivamente, e tornou-se um desejo. 

Não há nada de errado em ter expectativas sobre atos românticos como esse exemplo. Mas para que nossas expectativas não sejam nocivas e também sejam atendidas, além de as conhecermos, precisamos comunicá-las. 

O diálogo é uma tecla que sempre irei pressionar. Construir relacionamentos felizes é um projeto de vida que envolve esforço. Por esforço não me refiro somente ao trabalho. O X da questão é o autoconhecimento. Desenvolvê-lo é de fato trabalhoso, mas é somente ele que nos oferece a possibilidade de alinhar nossas expectativas com a de quem compartilha a vida conosco. 

Quanto antes conhecermos a nós mesmas, mais cedo poderemos alinhar nossos desejos com os de quem está conosco. E eu garanto que quando isso acontece, tudo fica mais leve e mais feliz. A mulher do exemplo e seu marido têm o ritual anual das flores enviadas ao trabalho. Ela é contente pela concretização do desejo de menina, e ele feliz por proporcionar essa alegria.  

Além de facilitar o processo de realização dos nossos desejos, ainda conseguimos conhecer mais sobre nossa parceria. A atividade de verbalização também é ótima para a compreensão de nós mesmas. Não é à toa que a psicoterapia exista. Falar em voz alta organiza nossos pensamentos e põe luz em questões que possam estar enevoadas na nossa mente. 

Ao realizarmos essa análise individualmente e então em casal, as questões que desejamos que sejam feitas se tornam um objetivo mútuo compartilhado por ambos. A partir disso dissipamos a sensação de acúmulo de funções, bem como a irritação pelo outro não ter realizado o que a nós parece óbvio que seja feito. 

Desejo que possamos gastar menos energia com atritos desnecessários, investindo no que realmente importa: nossa felicidade e realização. 

Com amor, 

Maria.

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