A fantasia ou a realidade de Barbie?

20 / 07 / 2023
Saúde e Bem-estar, Sexualidade
Por Maria Fernanda de Amorim Fortuna

Numa semana de duas grandes estreias cinematográficas um tanto quanto dicotômicas – Barbie e Oppenheimer – fazer uma reflexão sobre a realidade me pareceu necessária. Embora compartilhem elencos estrelados e orçamentos astronômicos, os lançamentos parecem estar em extremidades opostas. 

Oppenheimer trata da dura realidade da Alemanha nazista, a corrida científica em relação à bomba atômica e os horrores que se desdobraram dali. Do outro lado, há o mundo da fantasia vivido em Barbieland, um cenário plástico, simétrico e rosa, cheio de glamour, beleza e looks maravilhosos. 

Em meio a ideias tão distantes, onde estamos nós, espectadoras disso tudo? A boneca de fato fez parte da infância de muitas. Seja amando ou odiando a Barbie, o impacto cultural que ela representa é inegável. Não é à toa que o filme ultrapassou a tela e está presente de campanhas publicitárias a colunas como a de hoje. Impossível ignorar a tendência barbiecore recente. 

Mais do que tendência ou marketing, Barbie comunica diretamente à nossa criança interior. A vida perfeita que era possível, numa época em que os limites eram os da nossa imaginação. A lembrança desse sentimento carrega consigo um senso de pertencimento que inegavelmente encanta, e até acalenta, adultas cansadas. E nem falo sobre a boneca. 

Construímos ideais desde a infância, inclusive sobre relacionamentos. Como seres sociais, observamos nosso entorno e absorvemos tudo o que é apresentado a nós. Por não sermos autônomas quando crianças, muitas de nós já adultas precisamos lidar com problemas que foram criados lá atrás. Seja por inocência ou negligência dos nossos tutores, algumas feridas só se manifestam quando já estamos crescidas. 

Nossa forma de viver o amor e por quem nos apaixonamos, o que é bonito e o que é feio são alguns exemplos do que começamos a construir lá por volta dos seis anos de idade. Ouvir a mãe elogiando o perfume do pai, figura esta por quem nutrimos carinho e admiração, pode ser a resposta do porquê você adora homens com aromas cítricos, por exemplo. E os exemplos não se limitam ao sentido olfato, pelo contrário, se reproduzem em muitas referências e idealizações construídas na infância. 

As bonecas e o tipo de brincadeiras que tivemos também fazem parte da criação deste cenário ideal que projetamos quando pensamos no que é ser adulto. E, mesmo inconscientemente, acabamos buscando diversos desses elementos na construção da nossa história. Quando não estamos mais brincando de casinha, mas sim vivendo a vida real. 

O impacto do filme também tornou-se tão grande em razão disso. Da possibilidade de reencontrar uma parte daquela leveza para enxergar o mundo como apenas na infância era possível. Nisso, Barbie também dá aula: ela é autêntica, bonita e extremamente talentosa em todas as funções que assume. Tem múltiplas carreiras, diversas aparências e roupas e acessórios para todas as ocasiões possíveis e imagináveis. 

Infelizmente, por mais afortunadas que sejamos com recursos, a excelência ainda é algo que requer disciplina, tempo, e também abdicações. Não conseguiríamos ser veterinárias, engenheiras, astronautas, médicas e advogadas em apenas uma vida. Apesar de jogar na nossa cara que vida perfeita só é possível no mundo plástico e ideal, Barbie ainda é capaz de nos ensinar muito. 

Acredito que de todos os ótimos predicados acumulados magistralmente por nossa protagonista, buscar o lado bom em tudo seja um dos mais importantes. Apesar das adversidades, todas as versões de Barbie sempre buscaram a resolução amigável como resposta para os seus conflitos. Afinal, ela é uma pessoa gentil e carinhosa. 

Eu sei que a vida real muitas vezes estará mais para Oppenheimer: onde não podemos escolher o bom, mas precisamos escolher o menos pior. Mesmo assim, defendo que tentemos ao máximo carregar conosco o lado Barbie, insistindo sempre em colocar a gentileza e a bondade como possíveis soluções aos nossos desafios. 

Tenho certeza de que não conseguiremos seguir os passos dela, que foi o primeiro exemplo de perfeição para muitas mulheres. Tampouco acredito que seria positivo. Boa parte do bom da vida é a possibilidade de errar e acertar. Num mundo hermético em que todos os dias são iguais e impecáveis, onde fica a possibilidade da escolha? O gostinho do acerto, a graça da conquista? Ou até a humildade do perdão?

Mesmo errando e acertando, sendo alguém bem distante do ideal construído na infância em meio à muito rosa, pelúcias, cabelos loiros e cheirinho de plástico, não nego: já estou com meu ingresso comprado para a estreia de Barbie. Também vou assistir à Oppenheimer. 

Independentemente de você assistir ou não ao filme, mantenho a sugestão que eu mesma vou seguir: pertencemos ao mundo real. É aqui que vivemos, onde as coisas acontecem. Mas nossa mente e nossos pensamentos podem – e devem – viajar para mundos de fantasia de vez em quando. A realidade também merece uma folga estratégica de tempos em tempos, não é mesmo? 

Um beijo, 

Maria. 

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