Desconstruindo a Posse: Respeitando as Raízes e Construindo Relações Saudáveis

05 / 07 / 2023
Saúde e Bem-estar, Sexualidade
Por Maria Fernanda de Amorim Fortuna

Eu tenho meus momentos de ócio criativo, nos quais tento relaxar fazendo coisas leves, mas também trazendo novos elementos à mente. Nessas ocasiões eu me informo, converso, ou simplesmente passo tempo na internet. O caso de hoje aconteceu a partir do último exemplo. 

Estava assistindo a reels no instagram, quando ouço um diálogo sobre relacionamentos, em o que parecia ser um podcast: o entrevistador pergunta ao entrevistado o que ele acha de manter coisas de ex em casa. Prontamente o entrevistado responde que tem tatuado o rosto de sua namorada na perna. E logo emenda – se, porventura, eles não estiverem mais juntos e no futuro ele estiver com alguém, como a nova mulher poderia ter ciúme da homenageada pela tatuagem, se foi ela quem o fez ser quem ele se tornou?

Um pouco prolixo, talvez. Mas acompanha meu raciocínio pois vai fazer sentido: A psicologia explica a formação da nossa personalidade como uma soma de fatores, que vão se acumulando à medida que vivemos. Hoje, somos uma pessoa diferente da que éramos ano passado, em virtude do tempo que se passou, e das experiências que vivemos. Da mesma forma será pensando adiante, no futuro. 

Quando nos apaixonamos por alguém, conhecemos o resultado da soma de eventos que a pessoa teve até aquele momento. Também é assim para quem nos conhece. A pessoa entra em contato com o resultado do que vivemos até aquele instante. Por isso há relacionamentos que deram muito certo, mas deixam de funcionar em algum momento. No início pode haver um alinhamento e muitas semelhanças, que porventura venham a ceder espaço às diferenças crescentes que inviabilizarão a relação mais adiante. Mas isso é assunto para outra coluna. 

Hoje quero falar sobre como fomos ensinadas a entender que a pessoa que está conosco nos pertence e como criamos esse cenário de posse mútua. Quando aplicamos conceitos de propriedade em relacionamentos e pessoas, invariavelmente chegaremos em locais desagradáveis. Vou explicar a razão: Pensar que alguém é “nosso” carrega a ideia de que temos controle sobre aquilo. Isso não é possível. Por mais previsível que alguém possa ser, não há garantias das ações dos outros e nem nossas, diga-se de passagem. 

Acreditar que temos controle sobre as emoções ou ações de terceiros além de ser um hábito bastante nocivo à outra pessoa, que pode se sentir minimizada por ser colocada numa caixa de te conheço ou sei o que vc pensa, também é um problema para quem tenta realizar esse controle. Isso porque você cria uma responsabilidade imaginária sobre os passos da outra pessoa, o que provavelmente levará à exaustão emocional e distanciamento da relação. 

O cenário piora quando além de tentar ter controle sobre o presente e o futuro, se busca também domínio sobre o passado. Jamais vou sugerir a máxima de ponha uma pedra sobre o passado, até porque ele faz parte de quem nos tornamos hoje. Embora buscar conhecer o passado de alguém em cada detalhe como forma de controle não seja uma ação saudável psicologicamente a um relacionamento. Uma forma de lidar com isso é deixar o passado no lugar que lhe pertence. O da história, do que já passou. 

Temos resultados que se estendem no tempo, como momentos maravilhosos e traumas. Há eventos que invariavelmente terão maior relevância, como o dia que você se sentiu a mulher mais poderosa do universo, quando entregou seu trabalho e foi elogiada por toda a equipe. Há eventos que vão entrar pro esquecimento, como aquele amigo de um primo que um dia você deu uns beijos. O peso de cada um desses eventos só quem viveu sabe. Não é possível entregar nossa memória a terceiros. 

Sabendo disso, minha sugestão é que você coloque o passado como um mantra, cada um possui o seu, e ele deve ser respeitado como a origem do que temos diante de nós hoje. Se seu parceiro é apaixonado por você, se ele ama as coisas que vocês fazem entre quatro paredes, adora a forma como você trata a família e amigos dele, isso tudo é sobre você. E você é o resultado das suas experiências, do seu passado. Não permita que alguém busque na sua história razões para te diminuir, como exigir saber com quantas pessoas você se relacionou. 

Os relacionamentos que você já teve, quantas vezes já quebrou a cara ou quantas vezes sentiu borboletas no estômago são memórias de quem viveu esses momentos. Caso seja algo legal e confortável de se compartilhar, vá adiante. Do contrário, não permita que alguém busque entrar à força na sua memória. E também não faça isso, obviamente. Precisamos respeitar a história de quem está ao nosso lado, para que também tenhamos a nossa respeitada. Sempre é uma via de mão dupla. 

Eu sinceramente acredito que há maneiras de se construir relações melhores e mais saudáveis. Uma delas é respeitar a trajetória de quem está conosco, da mesma forma que temos a nossa respeitada. Finalizo o texto de hoje com uma fala que ouvi no podcast do moço que tem a tatuagem: se você se apaixona pelas folhas de alguém (presente), você precisa respeitar as raízes que permitiram que elas crescessem (passado)

Com amor, 

Maria. 

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